terça-feira, 5 de março de 2013

A hora da Estrela

Imagem extraída do Blog Letra e Luz


Macabéa é uma jovem que perdeu os pais muito cedo e foi criada por uma tia altamente insensível e acaba migrando de sua cidade natal, Alagoas para o Rio de Janeiro. Começa então a trabalhar de datilógrafa e aprende bem lentamente a verdade sobre a realidade que a cerca. Essa é a protagonista do último livro publicado por Clarisse Lispector que adotou o alter-ego de Rodrigo S.M para contar a história.
O livro todo em si trás uma narrativa bem crua e bastante complexa, diferente do convencional. Por se tratarem de fatos, não se aprofunda em detalhes de lugares ou características gerais comumente encontradas em outros livros. Para se ter uma ideia, em um trecho do livro o “autor” faz a seguinte citação: (Esta história são apenas fatos não trabalhados de matéria prima e que me atingem direto antes de eu pensar. Sei muita coisa que não posso dizer. Aliás pensar o quê?)
 O interessante é ver as ideias soltas do “autor” em forma de pensamentos. É como se pudéssemos adentrar sua mente para acompanhar todo o processo criativo da trama. Como se tudo aquilo ainda estivesse sendo lapidado para ser finalmente jogado no papel.
A história começa a fluir mesmo após umas vinte páginas. É quando somos formalmente apresentados a Macabéa, uma personagem que está longe de ser glamorosa. Além de ter uma vida árdua e miserável, a moça nunca recebeu uma demonstração se quer de afeto por parte da tia que a criou. Era tratada como uma coisa qualquer, não teve infância porque era forçada a fazer tarefas domésticas.
Devido o jeito que a personagem nos é mostrada, muitas pessoas podem acha-la uma verdadeira sonsa, mas no fundo ela é uma vítima do destino e nem mesmo tem consciência disso. Na verdade Macabéa é ignorante, não no sentido ofensivo da palavra, mas no sentido de não ter conhecimento sobre absolutamente nada. Ela acredita ser feliz porque nunca lhe foi explicado o que é de fato ser feliz. Por falta de pessoas que lhe ensinem coisas importantes da vida, Macabéa acaba buscando conforto e alento em um radinho de pilha sintonizado na Rádio Relógio que além de contar o tempo ainda dá informações relevantes sobre assuntos variados. A coisa da qual a moça mais gosta no mundo é a clássica combinação Romeu e Julieta (goiabada com queijo). Desprovida de ambição, maldade, ou qualquer outro tipo de emoção, Macabéa acaba conquistando aos poucos a afeição dos leitores não por sentirmos pena dela, mas por sua simplicidade mesmo.
Macabéa finalmente se apaixona e começa a se dar ao luxo de fazer coisas que nunca sentiu vontade de fazer quando encontra Olímpico, um homem que é completamente o seu oposto. “Cabra Macho” que sempre dá seu “jeitinho” para tirar proveito de alguma situação. Assim como todas as outras pessoas, ele não demonstra um mínimo de carinho por Macabéa, apesar de namora-la. Também tem Glória, uma colega de serviço que acaba tomando-a o namorado. Apesar de tudo, Macabéa não sente raiva e nem guarda rancor de ninguém.
Não dá para se aprofundar muito na história porque a maior parte do livro é composta pelos pensamentos de Rodrigo . S.M. Sem contar que o prefácio presente nas orelhas da capa possuem um Spoiler completo, mesmo não revelando o verdadeiro final. Achei esse livro um tanto engenhoso por parte da autora. É o tipo de história que nos faz refletir a natureza humana por um ângulo de vista novo. A protagonista possui uma inocência tão natural que nos faz sentir empatia por ela. “A Hora da Estrela” é um livro que apesar de ter uma narrativa um tanto complexa, é fácil de ser lido e nos prende não apenas pela curiosidade, mas também por não possuir separação de capítulos.
Outro fato interessante que pude reparar é referente às últimas páginas. Não sei se antes de escrever esse livro Clarisse Lispector tinha conhecimento da enfermidade que tinha, mas no finalzinho pude perceber uma sutil despedida da autora em relação a sua própria vida. Além das palavras que dão a entender que eram desejos de uma pessoa para sua pós mortem. Clarisse morreu em Dezembro de 1977 aos cinquenta e seis anos, vítima de câncer no ovário poucos meses após o lançamento de “A Hora da Estrela”.
Em 1985 foi feita a adaptação para cinema da obra. Assim como ocorre em várias outras adaptações, ocorreram mudanças digamos necessárias no roteiro desse longa metragem. A primeira de todas é a ausência do narrador que no livro é uma presença essencial. Muitos acontecimentos do livro foram mantidos e outros acrescentados, pouca coisa foi retirada. O que deixa o filme altamente fiel a obra da Clarisse. Nesse caso os acréscimos devem ser compreendidos devido o fato de que a maior parte do livro é composta por pensamentos do “autor”. Sem contar que o filme trás uma perspectiva diferente para quem leu o livro.
Achei interessante ver um filme baseado em uma obra da Literatura nacional. Já que dificilmente vemos produções desse tipo. Diferente dos filmes americanos, e até mesmo de outras produções nacionais, “A hora da Estrela” é um filme bem simplista que aparenta ter tido um orçamento baixo e apesar disso acabou arrecadando alguns prêmios dentro e fora do Brasil. O problema é que apesar de ter tido um bom desempenho, o filme mal é lembrado por especialistas. Se você já leu o livro, assista ao filme porque é bastante interessante. Se você já viu o filme, leia o livro e tire suas próprias conclusões.

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