Há
muito, muito tempo atrás, em uma época em que ninguém pensava em trocar e-mails
e ter contas em redes sociais, a comunicação a distância era feita por trocas
simples cartas de papel. E se hoje em dia muitos escrevem erroneamente VC, FDS
e outras siglas estúpidas e assassinas do Português, antigamente a escrita era
executada de maneira extremamente requintada. É sobre essa diferença de
costumes que tratarei nessa postagem. Do que irei falar? Do livro “Cartas de
Amor”.
Se
engana quem pensa que Monteiro Lobato somente criou o tão consagrado “Sitio do
Pica-pau Amarelo”. O livro “Cartas de Amor” publicado postumamente revela o
conteúdo das cartas que o até então advogado, José Bento Monteiro Lobato enviou
a sua futura esposa, Maria da Pureza Natividade. São várias cartas datadas
desde o segundo semestre de 1906 até o princípio de 1908.
São
mais de cento e setenta páginas que revelam a rotina e a profundidade dos
sentimentos de Lobato por sua noiva. O interessante é perceber logo nas
primeiras cartas o quanto a maneira de escrever se modificou ao longo dos
últimos cem anos. Também dá para perceber a diferença de costumes estabelecida
entre as pessoas com o passar do tempo. Em algumas páginas nos vemos diante da
ansiedade de Monteiro Lobato em receber a resposta por suas epístolas. Assim
como ele temos a impressão de que Purezinha não deveria correspondê-lo. Ao
mesmo tempo em que também temos a impressão de que o autor era um tanto
insistente ao forçar sua noiva a escrever, mas na verdade o que a impedia de
agir era a diferença de comportamento imposta pela época. Enquanto hoje em dia
as mulheres conseguiram liberdade suficiente para se expressar antigamente elas
eram impedidas de expor seus sentimentos de maneira tão fervorosa.
Seria
uma experiência interessante se pudéssemos ler também as respostas de Purezinha
para Juca (apelido com o qual Lobato assinava as cartas), mas nesse livro
apenas acompanhamos os relatos do jovem. A maneira como o autor descreve os
acontecimentos em torno de sua pacata e rotineira vida acaba nos fazendo sentir
uma determinada empatia por sua situação, pois antigamente todos eram
constantemente consumidos pela saudade. A profundidade com a qual Lobato expõe
seus sentimentos pela noiva nos faz perceber sua maneira simples e direta de
amar.
Um
único ponto negativo e um pouco desagradável que percebi foi o fato de que por serem
relatos de uma vida comum e corriqueira torna o livro monótono demais em
determinados pontos. Mas nada disso tira o brilho de se estar lendo uma obra de
Monteiro Lobato. Se hoje somos bombardeados o tempo inteiro com informações em
tempo real e temos que saber filtrar tudo o que for realmente beneficente, há
cem anos havia a preocupação de ser objetivo o suficiente para tornar fácil o
entendimento do que está sendo relatado. Isso sem mencionar, mais uma vez, a
exigência de se escrever de maneira realmente impecável. Por serem cartas
totalmente descompromissadas, não precisariam ter sido escritas de forma tão
requintada.
Não
sei como deve ter sido o casamento de Lobato e Purezinha, mas esse livro
demonstra algo que é difícil de se ver nos dias atuais. A importância de um
relacionamento sincero e honesto a caminhando para uma vida simples. Sempre
admirei muito a garra de Monteiro Lobato para correr atrás do que acreditava. Antes
mesmo de ter se tornado um escritor tão reconhecido e famoso, ele se mostrava
ser uma pessoa altamente esforçada. Li em algum lugar que na época em que
decidiu se tornar escritor, era ele mesmo quem produzia seus livros e saia
batendo de porta em porta para vendê-los. Como autor independente, sei
exatamente como é difícil executar essa tarefa. Hoje em dia as pessoas se
recusam a atender Evangélicos que batem a sua porta para falar da palavra de
Deus. Possivelmente não fariam diferente com algum autor tentando fazer seu
trabalho valer a pena.
Confesso que esse livro caiu na minha mão por
acaso em uma visita a livraria, mas achei muito interessante a experiência de
lê-lo. Só o fato de ser do autor do “Sitio do Pica-pau Amarelo”, já vale a
indicação.
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